Medo de ir votar?

Tem muita gente com medo de ir às urnas daqui a dois dias, e com razão. Eu tenho medo. Considera-se, inclusive, que esse fator possa aumentar o índice de abstenção nas eleições, o que é a mais pura verdade. Tanto que essa é uma das principais finalidades da incitação à violência política a que estamos assistindo.

Em artigo publicado no dia 23 de setembro na revista Piauí, a socióloga e diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, demonstra como a estratégia bolsonarista trabalha a retórica violenta e como ela tem sido eficaz em atingir seu objetivo. Segundo pesquisa do Datafolha, 40% dos eleitores acreditam ser grande a possibilidade de episódios de violência política no dia do pleito, e 9% admitem deixar de votar em razão disso.

Mas, gente… Vamos com medo, mas vamos! Porque o medo se aboletou na nossa vida em outubro de 2018 e não saiu mais. Quando o resultado daquelas eleições foi anunciado, me senti atordoada, andava de um lado para outro pela casa sem acreditar no que havia acontecido.

Já no primeiro ano desse desgoverno, vimos demonstrações antidemocráticas explícitas e, ao longo de todo o mandato, atos e discursos que semearam e cultivaram a violência que presenciamos hoje.

Na pandemia, o medo virou pânico. Ver aquela criatura na televisão falando de “uma – gripezinha – ou – um – res – friadinho” me fez ter a sensação de que o Mundo Invertido da série havia se tornado realidade. A saúde mental foi pro saco e entrei para o imenso grupo de pessoas que precisaram ser medicadas pra dar conta do rojão.

Só pra citar duas das mais recentes e que são chocantes: nossa ex-ministra dos DIREITOS HUMANOS parabenizando uma neofascista admiradora declarada de Mussolini por sua eleição na Itália. E o vídeo do véio lambendo cano de arma e “mandando” o bozo fechar o Congresso… Socorro!!!

Diante de tudo isso, e muito mais que não cabe num texto só, o voto útil é útil principalmente pra nós, que queremos e PRECISAMOS tirar essa facção do poder o quanto antes.

Depois de amanhã, voto 13. A meu ver, não dá pra fazer o Malvino.

Joaquim Barbosa, ex-juiz do STF relator do mensalão, Miguel Reale Jr., autor do pedido de impeachment de Dilma, e tantos outros ferrenhos opositores do PT já declararam seu voto em Lula no primeiro turno e falaram abertamente o que pensam sobre o atual presidente.

Porque se for pra segundo turno, eu, que não creio, vou pedir a Deus por nossa gente.

11 de agosto de 2022

Reprodução Site CBN. Foto: Bruno Rocha/Agencia Enquadrar/Agencia O Globo)

Eu tinha apenas dez anos de idade quando a ditadura militar teve fim. Nos anos seguintes, estudando e entendendo melhor aquele período, compreendi o quão abominável ele havia sido, mas o autoritarismo me parecia definitivamente enterrado e muito distante no tempo, já que alguém tão jovem percebe uma década como se fosse um século. 

Ao longo da vida, acreditei (ingenuamente, admito) que alguém com delírios autoritários não seria capaz de angariar apoio. Ideias de uma criatura como Olavo de Carvalho não tinham espaço na minha bolha, e eu ignorava o monstro em gestação. Quando o ser que ocupa hoje a presidência começou a aparecer na mídia disparando impropérios, fui daqueles que achavam absurdo, riam de nervoso e não davam crédito. 

Foi triste, muito triste, cair na real e entender que boa parcela do povo brasileiro compartilhava de ideias repulsivas e, de fato, se via representada por aquela figura. Que erro tê-la subestimado! Ela subiu ao poder e ultrapassou limites por diversas vezes. Na última, reuniu-se com embaixadores para, mais uma vez, detonar o sistema eleitoral brasileiro. Um presidente enxovalhando seu próprio país diante de outras nações? Temos! 

Mas para essa atitude, houve resposta à altura.

Ontem, dia 11 de agosto, foi um dia histórico e muito emocionante, pelo menos para mim.  Em diversas cidades do País, representantes do meio acadêmico, dos setores financeiro, empresarial e sindical, de entidades estudantis e a sociedade civil reunidos em torno de um propósito maior, a defesa da democracia. 

O microfone usado por um ex-ministro da justiça também amplificou a voz de sindicalistas e mulheres pretas no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP. Isso representa muito! São avanços já conquistados na longa jornada que estamos empreendendo como sociedade, e sabemos que ainda é longo o caminho a se percorrer. Não podemos permitir retrocessos. 

Em meio a tudo que foi dito para além da leitura da Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em Defesa do Estado Democrático de Direito, documento que já foi assinado por mais de um milhão de pessoas e que impulsionou os movimentos de ontem, considero a fala de Beatriz Lorenzo do Nascimento, representante da Coalizão Negra por Direitos, especialmente marcante.

Ela enfatizou a erradicação do racismo como condição para a existência de uma democracia plena, nos fazendo enxergar que o 11 de agosto é importantíssimo, mas que o fortalecimento da democracia se faz diariamente por meio do combate às desigualdades e da busca por mudanças estruturais em nossa sociedade.

Surreal

Claudia Pompeu – Fotografia surrealista, montagem e sobreposição. Acervo Lenach Artes e Antiguidades

“Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas”

Poema O Tempo, de Mário Quintana.

Surreal: o que não condiz com a razão, de tão estranho, incongruente ou absurdo.

Real:

No ano passado

No ano passado, eu morri

O processo corria lento, coisa de anos…

Vez em quando doía, mas na maior parte do tempo

por sorte (ou não), prevalecia a analgesia

A espinha arqueada era malomeno sustentada

por músculos tão sem tônus

Sem falar da atonia mental…

Poderia ter se arrastado por muito tempo mais

Mas aquilo veio com tudo

Atônita, não pude evitar

Por azar (ou não), deu-se o impacto

Frontal

Chicotada da cervical

Au revoir!

Só que aí, voltei pra contar

É que, de brincadeira, sempre pronuncio “orrevoar”

Agora é fevereiro, e não é que revoei?

Rouba daqui, rouba de lá

Adoro quando construção musical e letra dialogam, se complementam e compõem uma história. Rubato, do Chico Buarque e do Jorge Helder, é assim.

Rubato (roubado em italiano), ou tempo rubato, é um recurso que cantores e instrumentistas podem usar com liberdade (mas que também pode vir indicado em partitura) pra dar mais efeito à interpretação. Trata-se de acelerar ou desacelerar, roubando o tempo de uma nota e colocando em outra. No caso do canto, a voz segue em tempo diferente do tempo do acompanhamento e fica muito bacana . 

Pois bem, a canção de Chico e Jorge tem rubato não só na música. A letra fala de ladrões de composições que afanam canções alheias pra arrebatar os corações de suas namoradas. E a evolução da melodia na parte instrumental me traz a cena hilária – um, afoito pra mostrar a canção a Aurora; outro agindo rapidamente na surdina pra roubar a obra e dedicá-la a Amora. No final, um terceiro se apropria da música pra seduzir Teodora.  Ora, ora… Não é esse o fim das canções de amor?

Prólogo

Para abrir este blog, resolvi falar de música. É que essa arte sempre me fez vibrar – desde muito pequena ouvia minhas irmãs tocando violão e eu cantava junto a plenos pulmões, mesmo quando não sabia direito a letra (se lembram do “violão tangente”, meninas?). Estudei piano durante 6 anos, ganhei meu primeiro salário como pianista, cantei no coral do conservatório, da escola, da faculdade, no chuveiro, limpando a casa, lavando roupa, dirigindo, vendendo videokê.  Não escolhi a música como profissão, mas ela permeava meu dia a dia e os melhores roteiros que escrevi pra facul eram sobre ela. Mais tarde, outras tantas atividades foram surgindo, uma rotina non sense se estabelecendo e eu, tolamente, deixei os acordes pra lá durante um longo período. Até que, na semana passada, fui a um show no Sesc Osasco – Virgínia Rosa Canta Itamar Assumpção e Outros Negões. O que foi aquilo, minha gente? Uma mulher de voz poderosa e grande presença de palco, interpretando com muita personalidade canções fortes de Itamar, Luiz Melodia, Monsueto. Imediatamente, memórias de lugares, pessoas e sensações voltaram como uma onda forte, e levada por aquelas palavras e sons, fui da doçura à indignação, do choro ao riso, da melancolia à excitação. Fui ao encontro daquela vibração primordial.